terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

14.03.2007 - A participação indígena no Pan

A não presença indígena faz destes Jogos Pan-americanos um evento excludente - Por Everson Carlos da Silva Everson Carlos da Silva* Os Jogos dos Povos Indígenas tiveram início em 1996 com a participação de 470 índios de 29 etnias, desde então vem sendo realizado a cada ano. Tinha por objetivo promover a aproximação entre as nações indígenas do Brasil de diferentes regiões do país, incentivando-os a apresentarem suas manifestações culturais de expressão corporal aos outros índios e não-índios. Embora a denominação Jogos dos Povos Indígenas sugira uma analogia aos Jogos Olímpicos, o que se observa é a demonstração de atividades peculiares a cada etnia e a disputa através de modalidades esportivas conhecidas, como: o futebol, arco e flecha, natação, canoagem e atletismo. Entre as "práticas esportivas" tradicionais o arco e flecha é a de maior unidade entre as etnias, sendo a corrida de toras específica de etnias do grupo macro-jê, realizadas por: Xavante (MT), Xerente (TO), Krahô (TO), Kanela (MA), Krikati (MA), Apinajé e Gavião (PA). Por sinal, estes grupos étnicos que praticam a corrida de toras vivem em regiões de bioma cerrado, exceto os Gavião, que vivem em área de bioma amazônico. Por este fator, as apresentações de corrida de toras tornaram-se o principal símbolo ou gesto em sua defesa, já que o cerrado não está contemplado no artigo 225 de nossa Constituição Federal como patrimônio ambiental brasileiro, tido como áreas voltadas à expansão de culturas como soja, algodão e criação de gados destinados à exportação, desconsiderando sua importância como bioma. Fora do ambiente da aldeia – que é parte das cerimônias ou rituais, e dos Jogos dos Povos Indígenas, de caráter eminentemente cultural – as corridas de toras, como símbolo de protesto, surgiram em 2003, na ocasião da realização da I Semana do Meio Ambiente da USP quando escrevi o projeto "Corpo, Saúde e Meio Ambiente" em parceria com a Associação Xavante Warã. Esta primeira corrida de toras ocorreu dentro do campus da USP, na capital, somente com a presença dos Xavante da terra indígena de Sangradouro. Devido ao sucesso desta 1ª Semana de Meio Ambiente, no ano seguinte foi realizada na avenida Paulista, no dia 05 de setembro, como parte das "Comemorações dos 450 Anos de São Paulo" e "70 Anos da USP" com a presença dos Xavante de Sangradouro e Krahô (apoiado pela Associação Vity Cati). Após a corrida na Paulista, os Xavante e Krahô seguiram viagem para Brasília para participarem do evento "Grito do Cerrado", no dia 09 de setembro, realizando uma corrida de toras em frente à Esplanada dos Ministérios, saindo da Catedral e terminando em frente ao Congresso Nacional. Na seqüência realizaram uma manifestação no teto do Congresso Nacional pela primeira vez desde as "Diretas Já", e, em seguida depositaram as duas toras de buriti na mesa da presidência do senado federal como ato de protesto contra a destruição do cerrado. Em 2005, como parte da 3ª Semana de Meio Ambiente da USP, a corrida de toras foi realizada no dia 11 de setembro (Dia Nacional do Cerrado) entre índios Xavante oriundos de 4 terras (Sangradouro, São Marcos, Areões e Pimentel Barbosa) e Krahô, composta por homens e mulheres, na avenida Rubem Berta, próxima a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Como decorrência deste ato, as toras desta corrida foram doadas para o acervo do Museu da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo com o apoio do deputado estadual Adriano Diogo. Neste ano de 2007 acontecerá o maior evento esportivo das Américas na cidade do Rio de Janeiro, palco da ECO 92, donde se discutiu a elaboração da Agenda 21. Também em 1999, na cidade do Rio de Janeiro, foi elaborada a Agenda 21 Olímpica, que no tópico 3.3.3. cita a importância dos povos indígenas na defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. Sem a presença indígena a Agenda 21 Olímpica se torna apenas uma idéia bonita, como o não cumprimento das leis da Constituição Federal de 1988. A não presença indígena faz destes Jogos Pan-americanos um evento excludente. Basta lembrar dos aborígines australianos que marcaram presença importante nos Jogos Olímpicos de Sidney 2000, mostrando ao mundo o desejo da Austrália em se tornar uma verdadeira democracia racial, reconhecendo os mal-tratos e descriminação desta população nativa no processo de colonização. Ao mesmo tempo, a participação indígena no Pan, estará contemplando o inciso IV do artigo 217 da Constituição Federal, que afirma ser dever do Estado fomentar o esporte de criação nacional e de identidade cultural. Não sou a favor da participação indígena somente como parte de uma programação cultural ou mero espetáculo exótico, mas que venha com uma forte conotação política estabelecida pelos próprios indígenas. Penso que os indígenas devem exigir sua presença nestes Jogos Pan-americanos, principalmente porque são citados nesta Agenda 21 Olímpica como parceiros essenciais na defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, assim como garantir representatividade em encontros e conferências mundiais e regionais sobre esporte e meio-ambiente. O que os indígenas devem saber é que existem propósitos comuns entre o Comitê Olímpico Internacional (COI) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) para a organização dos Jogos Olímpicos e eventos esportivos, com disseminação da idéia de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável. Nestes aspectos o povo indígena tem muito a ensinar à civilização pós-revolução industrial no que diz respeito a valores relacionados à natureza. Outra consideração de elevado interesse é o fato de nas faculdades de educação física e esporte de nosso país, não se discutirem nada sobre a corporeidade indígena brasileira e nem fomentarem pesquisas sobre tal assunto. Devemos estimular nossos professores e estudantes a estudarem e compreenderem o universo motor dos povos indígenas, que por sinal é riquíssimo. Em pesquisas* realizadas em terras indígenas, verifica-se ser o esporte a principal demanda entre os jovens. É importante considerar que o esporte é parte importante de políticas públicas voltadas à qualidade de vida, combate ao sedentarismo e ao consumo de álcool e drogas, que tem se disseminado em várias áreas indígenas, trazendo transtornos ao equilíbrio social destas comunidades, portanto, vejo que o esporte possui argumentos favoráveis para ser parte da agenda política indígena. Espero que nossos dirigentes tenham sensibilidade para perceberem que a presença indígena nos Jogos Pan-americanos não é um gasto, mas uma forma de diminuir a segregação e o descaso existente para com os povos indígenas de nosso país. *Pesquisas de opinião realizadas pela FUNAI Everson Carlos da Silva, esportólogo formado pela Escola de Educação Física e Esporte da USP Contato do Everson: everson.indio@gmail.com